segunda-feira, 24 de setembro de 2012

As ruas da cidade

Sabes que aquelas ruas são tuas? Todos os dias. Que estás ali em cada passo, mesmo que já ali não passes sequer. Tomaste conta dos caminhos que foram de outros, de memórias de gentes diferentes. É tudo teu, agora. Há demasiado tempo. Açabarcaste e abafaste o resto.

Dei-te aquelas ruas, na minha memória. Sempre que ali passo, sei que são tuas, que o território é alheio, já não é meu. Atravesso-as decidida. O que me incomoda é que gosto de cada passeio, de cada canto, de cada lugar que não chegou a ser por falta de tempo. Gosto de cada folha caída perdida no chão e do semáforo avariado. Não consigo não gostar, não passear por ali, não relembrar.

Até quando?

Sabes que a vejo muitas vezes? Aquele nariz e os lábios que não se abrem. Vejo-a no metro, nas passadeiras, nas escadas rolantes. E estremeço. Porque ela não sabe sorrir. E tu, por isso, também não o fazes. Para encontrarem alguma sintonia que seja no meio desse nada.

Hoje devorei as tuas ruas. Só as ao longe, claro. Mas esqueci-me de me lembrar de ti, enquanto me lembrava.

Tomaste conta desta cidade.
Porque isso é que tenho de me ir embora.

Deixo-te as chaves.