quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

duo

São duas, elas. A de dentro que sente e a de fora que pensa e racionaliza. E a de dentro não gosta que a de fora entenda que ela está a sentir. Gosta de ser discreta. Mas quando a de fora repara, a de dentro finge que deixa de sentir e a de fora passa a pensar que já não sente. E, de repente, não sente mesmo.

tell me quando quando quando

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

upside-down girl

É já Natal ! E eu adoro o Natal. Se bem que este ano não pareça nada Natal. Pelo menos não às 8.30 da manhã a caminho do trabalho.

Mas é Natal e eu sinto a minha vida de pernas para o ar.
No bom sentido !

Ainda assim, de pernas para o ar.


Mas Bom Natal ! :)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Friends' quoting

" Sono felicissimo e un po' fortunato, è vero, però bisogna anche essere bravi a cercala, la fortuna! "
A.B.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Nova vida

Incrível como a mente se adapta aos novos desafios, passa a gostar e a ansiar por eles.
Incrível como o que nos parecia insuportável, agora é desejável.
Agora é mostrar que valemos a pena e embarcar no mar picado.
Vai ser assustador, mas quase de sonho !

mudei na última semana. mudei no último mês.
e o coração está cheio de esperanças e boa luta.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Cabra-cega

"eu sei que é fácil de montar o aparato da menina que é culta,
mas também, sorrir sai mais barato que cuspir pensamentos à solta.
Eu sei que é fácil de montar o aparato da menina que é esperta,
mas também, fugir para ti faz parte de investir na pessoa certa."


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

o nonsense das madrugadas

a voz quer muito gritar CALMA! enquanto o mundo gira e ela perdeu o carrossel. mas o cavalo sobe-e-desce com olhar quente. sabe que a guerra nem começou, há muito mais para vir. é questão de deixar voar o que falta. é questão de confiança no saltimbanco sem rede. aliás, é deixar de ser saltimbanco e aterrar a pés juntos. e ainda fazer um sorriso de vénia. a multidão é cada vez menor, vão-se indo, esvanecendo no tempo. os que vão ficando são rijos, aguentam tudo, mesmo que o granizo seja já mortífero. estes é que valem. e surge por vezes aquele pequeno rapaz de t-shirt aos quadrados sem ninguém que lhe dê a mão. e quem dá a mão é ele. sempre de mão cheia. (por vezes? tantas vezes!) e o circo aquece as emoções, mas há reservas, não se investe nestas coisas que não se conhecem. é arriscado e não estamos em tempo para isso. ou estamos? as letras minúsculas e aquele toque de chamada falam baixinho. é já hora de dormir mas o sono está ocupado em confundir os sentidos e as suposições. nada de grave. amanhã é sexta-feira e as pessoas teimam em correr para o fim-de-semana quando todos os dias são oportunidades.

oportunidades.
por isso: CALMA!

os ruídos da noite já não assustam os vagabundos da vida que se atropelam a passos largos, naquela correria sem rumo nem razão. com rumo ao fim que os desperte do frio e do copo de vinho entornado. cores escuras revelam-se hoje nos químicos do laboratório, o barulho das luzes ensurdece e torna-nos a todos ratos em gaiolas. mas é só o que parece, porque a janela ao abrir deixa entrar a bucólica ideia de vida e natureza. e temos é de seguir os sinais.

já acordaste?

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

domingo, 28 de novembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

All I Can See


Those who journey can easily understand,
the more they see the more they'll learn,
the more that they will be.

So this I swear to you, and this I swear to me,
I'll never rest till I've seen all I can see.
No, I'll never rest till I've seen all I can see.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Passa tempo

Arranho as paredes com força até que o verniz estala e as unhas se partem sempre que ouço o nome dela e o teu nas vozes dos outros a falar de pessoas que não são vocês. É uma pena ter-te eliminado dos meus dias e desinfectado cada mancha tua com lixívia, porque tu fazias-me escrever com as vísceras. Agora olha, sou só pacífica e a vida corre como aqueles rios que não têm nunca fim, cruzo-me com umas ilhotas pelo meio onde descanso e gasto o meu tempo inutilmente e sigo caminho que o próximo passo está a umas semanas de distância e até lá só se engana a vida sem a viver.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Bicicleta


Hoje decidi tirar o pó à bicicleta, afastar as dores de cabeça e rumar à estrada, às ciclovias e pedalar pedalar durante quase duas horas, com uma pit-stop para um lanchinho com a Avó.

E há muito tempo que algo não me sabia tão bem. Aproveitar o dia de Primavera que está, ir a lugares aqui ao lado a que não ia há demasiado tempo e são pura natureza urbana, transpirar, observar a vida citadina, os velhotes que se passeiam, os namorados que se beijam, os dois ou três outros ciclistas que passam, os skateboards que mostram o seu estilo. E tudo aqui ao pé, a uma preguiça de distância.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Escritor

E que faz de um escritor um bom escritor?

É a história que cria, a sua imaginação?
Ou é o estilo que desfila nas suas páginas?

É que se é o caso da segunda hipótese, as traduções aniquilam tudo, o estilo fica lost in translation.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Palavras

Enfeitiço-me com palavras. Sempre fui assim. Derreto-me, altero-me, identifico-me. É um atractivo que me comove, que me faz sentir que conheço melhor as pessoas num instante. Porque é raro quem se exponha dessa forma já que, querendo ou não, as nossas palavras são um espelho, mais ou menos embaciado, do que somos.

Quando as palavras se juntam à guitarra e a mais apetrechos, aí sim, o mundo cai, rodopia e o estômago manifesta-se num desconhecido sentido. Dou por mim a fazer coisas sem nexo, mais próxima de quem não existe, de quem não existia há 10 minutos atrás.

Para além disso, tenho a mania de sentir que sinto quando as pessoas têm bom fundo, quando transpiram ser boas, então chego mais, desvendo os meus segredos através das minhas palavras. E depois a surpresa é boa quando acerto, quando me surpreendem e me fazem ler coisas bonitas.

Apesar de todas as circunstâncias, é honrável. É que temos a mania que as pessoas não valem a pena, que se os estranhos não fazem parte da nossa vida, é porque não faz sentido fazerem. Por vezes, é preciso mexer o dedo, é preciso arriscar, ainda que de formas mínimas, e a maioria das vezes só ficamos a ganhar. Nós e os outros. Porque a troca de experiências, palavras, existências, por muito curtas, por muito pouco que 2 dias sejam, valem a pena, mesmo ficando só por aí.

domingo, 24 de outubro de 2010

L'Auberge Espagnole

Vi, completamente fora de tempo, o L'Auberge Espagnole, que retrata o Erasmus de um rapaz francês em Barcelona, rodeado de outras imensas nacionalidades. E gostei muito. Retrata extremamente bem o que é o Erasmus, através de pormenores que transmitem sensações acertadas e reais, e não o típico cliché cheio de excessos, festas, sexo, álcool, em que não existe tempo para desenvolvimento pessoal nem para estudos. Pelo contrário, é calmo, tranquilo, smooth, onde há um pouco de todos esses elementos, mas de forma real, ponderada, adaptada aos seres humanos que todos somos.

Fala do caos inicial em que nos dispomos às situações mais awkward de sempre na tentativa de nos sentirmos em casa o mais depressa possível. Dispomo-nos a falar com pessoas extremamente estranhas, a ir a locais em sítios duvidosos, só porque a única pessoa com quem trocámos umas palavras diz que vale a pena, dormimos em casa de gente conhecida há meia hora, por aceitarmos que são os nossos melhores amigos do momento.

Depois surge a ligeireza e a descontracção com que o tempo passa. As descobertas, as pessoas que se tornam importantes, os sacos do supermercado, o limpar a casa-de-banho ou as cervejas a mais. Tudo se vai desenrolando de forma polida, serena, com altos e baixos, mas sempre em altas, o dia-a-dia preenche, aquela vida torna-se vida completa, assim, tranquilamente.

Depois lá chega o momento em que se tem de voltar para casa, para o nosso país, onde tudo é estático, parado no tempo e parece não fazer qualquer sentido.

Gostei de o ver fora do tempo, na verdade. Não antes de Erasmus, não durante, não logo depois. Não antes porque cria expectativas, porque não iria entender metade das sensações que passam para fora do ecrã, porque iria criticar a falta de intensidade. Que existe e está lá, mas demonstrada de uma forma mais realista. Não durante, porque comparações seriam feitas e não há nada comparável em Erasmus com os Erasmus dos outros, com os outros enquanto pessoas ao nosso lado, vivemos e experienciamos tudo de forma completamente diferente e não há meio de igualizar. E, por fim, não logo após o meu Erasmus, porque me traria saudades não saudáveis, porque me faria repisar o facto de voltar não fazer sentido e não seria bom de forma alguma.

Vê-lo agora foi um bom timing. Já lá vão uns dois anos e passado esse tempo todo tive a sorte de ter tido agora mais um dia cheio do ar do meu Erasmus, da minha Bologna, com as minhas portas abertas a pessoas que me enchem do melhor que sou, do carinho, da verdade, pessoas que apareceram nesse meu tal Erasmus e que permanecerão na minha vida. Porque Erasmus não é só festa, não é só provisório. Erasmus pode ser vida, criação e amigos para sempre.

sábado, 23 de outubro de 2010

Portas abertas

É disto que eu gosto. Ter as portas abertas, escancaradas, sentir-me rodeada e a minha vida ser-me suficiente.
É disto que eu gosto.
Partilhar bolachas, confidências, cama e shampoo. Com amigos e vizinhas de sempre.
Os dias e as noites não terem fim e atropelarem-se e o ontem ser já hoje mas ainda não ter acabado.
Os braços abertos, jantares partilhados, séries, mantas e risos. Num espaço que é meu.

Viver de portas abertas. É por isto que anseio.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Outrora

E quando visto a camisola que foi para o armário exactamente depois de me abraçares, há 15 anos atrás, e ainda cheira àqueles tempos? Não a ti mas a mim e me envolvem umas reminiscências de quando os abraços surgiam a toda a hora. Agora somos já velhos, enrugados, as mãos trémulas fingem-se suficientes e os braços ficam sem efeito. É pena acharmos que somos velhos demais para amar com o corpo, é pena acharmos que o silêncio desvenda o que vai dentro do nosso peito. É que sabe bem ouvir as mesmas coisas, é que às vezes esquece-se. Às vezes gostaria de voltar a rodopiar de mãos dadas contigo, ficar tonta tonta e não me importar de cair, ficar com uns arranhões, porque tu me levantavas logo a seguir e davas-me um sorriso e um beijo na testa. Nessa altura os corpos existiam e as palavras também. Havia tudo. As cartas eram longas, cheias de sentimentos e forças da natureza, as pernas entrelaçavam-se no banco do jardim e as conversas terminavam só depois de estarmos a dormir e a sonhar um com o outro, de mãos dadas para sempre. Aí sim, tudo era eterno. Agora a relatividade e a crença que para a próxima é que é têm ganho espaço e poder nas nossas vidas. Estamos sempre à espera do que vem a seguir, não nos contentamos, o presente é só uma passagem em vez de ser o momento. Andamos mesmo confusos com a vida.

domingo, 17 de outubro de 2010

Leaving


Isto é tudo muito bonito, esta coisa de se irem embora. Mas eu confesso que começo a ficar farta de ir ao aeroporto e voltar de aperto no peito e vida mais vazia.

Tenho dito.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Knight and Day

Milner: Someday. That's a dangerous word. It's really just a code for 'never'.


(...)


Milner: What day is it today?
June Havens: It's "someday"!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Insónia

Não há nada a fazer. É difícil pôr um corpo a dormir, pior ainda uma mente acelerada. Roda-se na cama, almofada por cima da cabeça, por baixo do braço, enrolada nas pernas, fora da cama. Tapada até ao pescoço ou só com os lençóis a fugir dos pés. Nada a fazer. As séries não adormecem, o livro também não. São só as horas que passam. Já são 4h, já são 5h e incrivelmente já são 6h e o dia daqui a pouco faz-me companhia. Devo andar a viver numa outra timezone qualquer. Ou então é mesmo o meu consciente que não me quer dar descanso. E não é a primeira vez. Coitado, anda um bocadinho overloaded, mas já é mais que crescido e experiente para lidar com a vida.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Linhas cruzadas



É certo que sempre ouvi dizer, que do querer ao fazer
Vai um enorme esticão
Mas haverá quem possa negar, que querer é poder
E o nunca é uma invenção

Conversas

Falas de ti e falas de mim e falas como somos perfeitos.
Falas do tempo, falas da vida e falas da nossa banda sonora.
Dizes que me amas, quando o vento assobia e eu não ouço nada. Ou finjo que não.
Sabes bem que não gosto dessas coisas e não vou acreditar nunca.
Falas do tempo e falas de nós e falas do mundo que vamos percorrer.
É tudo perfeito do teu ponto de vista. Eu é que não vejo. Ou finjo que não.

Isto é música de fundo das incongruências. Dos tropeções e falta de fé.
Falas de ti e falas de mim e um dia serei eu a falar-te de nós.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Formalidades

Quero saber o teu nome, esse que se esconde por detrás dos incessantes cigarros que devoras uns atrás dos outros. Às vezes consigo ver-te através do fumo, mas as tuas pausas não dão para muito mais. O problema é vivermos num país de formalidades. Em que precisamos de palavras caras para nos ouvirem, em que sermos simples é demasiado básico. Num país em que temos de ser duas páginas, cheias de enrolanço, para dizermos duas linhas, para nos levarem a sério. Às vezes gostava que tivéssemos o sentido prático dos americanos ou dos brasileiros. Eles sabem ser quentes com o coração logo assim à queima-roupa, sem precisarem de pôr máscaras e armaduras antes de se direccionarem. É que isso dava-me mesmo jeito, ao menos não perdia vidas a ultrapassar barreiras só para saber como te chamas.

sábado, 2 de outubro de 2010

Insanidade

Porque a partir do momento em que te consideram louco, és louco para sempre, e tudo o que dizes, tudo o que fazes, mesmo se já o fizesses antes, agora mais não são do que actos que comprovam a tua insanidade. És louco, já não podes voltar atrás. Se cais é porque cais, se ris é porque ris. E é tudo porque és louco. E serás sempre, mesmo se não fores. E eu sei disso porque quando te pergunto como é que estás, tu respondes-me com o que fazes. E não como estás, como te sentes. És o teu trabalho e a tua rotina, falas-me de prazos e entregas, em vez de seres os teus sentimentos, as vozes dentro de ti que te impelam, de estares como te sentes aí dentro. Tu não sabes como estás, só o que andas a fazer. E essa é a maior insanidade do mundo, Ser apenas o que Faz.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cartas


Adoro cartas. Adoro receber cartas pelo correio, de lugares longínquos. Adoro os postais, também. Gosto de abrir a caixinha lá em baixo do prédio, na expectativa e, para além das contas e novidades no condomínio, encontrar o meu nome endereçado. Até encomendas do eBay me sabem bem, porque chegam quando menos se espera, está-se na ânsia durante 10, 15 dias e um dia tocam à campaínha, porque tenho uma encomenda. Esta coisa das cartas não deveria nunca passar de moda, oiçam o que vos digo.

Toma lá.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Agora

"The best time to plant a tree is 20 years ago. The second best time is now."

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Business planning

Oxalá eu fosse menos básica.
Oxalá eu fosse capaz de ser mesmo inovadora, ser mesmo out-of-the-box.
Oxalá eu fosse.


É que é possível não ser só $, nem revenues e costs!!
É possível ser mais que isso! Parece impossível,mas não!
O fundamento é tão mais bonito...
E  existe e eu tenho-o nas mãos!
Vamos mudar o mundo.


 
Facilitar melhorar o mundo.
Não existe melhor legado que eu possa deixar de momento.

Mas oxalá eu conseguisse fazê-lo como me é pedido.
Oxalá.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A estrada

E ela disse:
"Os sonhos têm-se encadeado numa espiral indisposta, misturados com o cão que nunca vou ter, contigo a mandares-me embora e eu a querer-te muito e não sei se te quero mesmo ou se é só de conversar sobre ti, mas penso e sonho e tenho sonhado sempre e não sei, não sei."
E ele riu-se, pôs a chupeta na criança e atravessou a estrada.
Com a mão estendida para ela, que se sentiu nos seus plenos 5 anos e o seguiu tímida, de olhos no chão, mas com um sorriso que lhe transpunha o ser.

Sorte

Há uns tempos questionava-me se era sorte ter sorte. Ou se nós conquistamos a sorte, ou se ela nos escolhe aleatoriamente, ou se é justo ou injusto. Hoje apareceu-me isto.


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Storage room

Tenho muitas memórias. E às vezes é uma chatice, porque surgem coisas tipo pop-up e eu só quero que fiquem lá na gaveta de baixo sossegadas. O problema é quando quero ir buscar umas caixas lá atrás e depois caem outras e abrem-se e revelam-se e depois eu falo demais e é tudo um disparate. Ainda que não faça mal nenhum, porque se estão guardadas, boas ou más, são boas. E são minhas e dos outros. Mas minhas primeiro, com as minhas etiquetas e as minhas regras de arrumação.


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

E depois?

E depois?
Depois ela berrou, esperneou, partiu a mesa. E ele agarrou-a, acalmou-a e fê-la chorar.
E depois as entranhas sucumbiram e saíram e juntaram-se ao carvão dos passeios, tão pesadas como os comboios que te pisam mesmo só na pontinha, ali na pontinha dos pés. E ela ficou sem ar. E foi a respiração boca a boca, os lábios dele a aproximarem-se, carnudos, húmidos para não a assustarem, cada vez mais próximos e ela que esperneava porque queria respirar com ele longe dali, que ele tira-lhe o ar, e ele aproximava-se, e ela afastava-o, e sacudia os braços, os olhos, os pêlos alourados dos braços, e os olhos dela fecharam-se, aliás, ela fechou-os como que para não ver e ele respirou. E ela engasgou-se. E respirou também. E ficou tudo azul, as pálpebras, as pontas dos dedos, roxo, parecia que ia rebentar, que o coração ia explodir, mas devagarinho, devagarinho... devagarinho adormeceu e não se sabe por quanto tempo, porque nunca mais acorda, a preguiçosa, não quer lutar pela vida e ele continua ali, já sem folgo para lhe dar ar, mas ali à espera que ela deixe de ser parva e se levante porque já são horas e já se está a fazer tarde e o táxi não espera.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ilha

É perfeito. Tudo é perfeito. O seu ar, o seu cheiro, a sua cor. A sua essência, as sensações que me faz sentir. A luz, o seu calor natural. Todos os anos anseio, todos os anos não me desiludo. À medida que o tempo se aproxima, começa o turbilhão, a expectativa, a vontade. Quando se avista ao longe, as narinas revolvem o estômago, os olhos piscam para focar e só não corro porque o mar não deixa.

O cocktail molotov de emoções não tarda, sei bem. Mais cedo ou mais tarde, chega, baralha, é tudo uma confusão, umas lágrimas de emoção pura, de enchimento interno, de querer mais, de querer ficar e engolir toda esta mística tão diferente durante um dia infinito.

E nesta ilha há um farol.
E é, muitas vezes, o melhor lugar do mundo.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Aniversário

Deixou-se sentir mesmo no final do dia, do dia que já não é dia porque as horas dizem que já é outro, mas que ainda o é, porque o dia para si ainda não tinha chegado ao fim. Só aí deixou cair as armaduras, quando proferiu em voz alta que dia era. E aí o subconsciente reagiu de forma incompreensível, porque a vida, e o fim dela, são do mais inexplicável do seu ser. O corpo revelou-se, transformou-se da forma que a mente mandou sem saber. Exprimiu-se por si só, sem forças sociais nem pressões individuais. Simplesmente foi. E aí soube, aí soube que os sentimentos que nutriu, que nutre se manterão, embora escondidos dentro de si e do dia-a-dia. Porque podemos estar em mundos diferentes, em patamares de evolução diversos, em realidades distintas, mas estamos sempre juntos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A torre

Há teorias. Há teorias que poderiam ser provadas facilmente. É que há anos foi feita uma construção meio duvidosa. De um momento para o outro, aquela torre enorme apareceu. Cinzenta, invasora, com uma luz vermelha lá em cima, tão lá em cima. É que a torre é mesmo alta! E não condiz nada com o ambiente em que foi posta.

Há teorias que dizem que é a torre do mal. Que antes tudo era pacífico, apaixonante e cheio de emoções, mas pacífico, sem dramas. E que desde o ano em que a torre apareceu, tudo se alterou. Há meias palavras, apertos no peito e mil vontades tão incontroláveis.

Diz-se que a torre mexe com a líbido, que nos baralha a todos, que chegamos aqui normais, mas nunca mais reagimos de forma normal, vemos desejos onde durante o ano nem saudações existiam. Mexe com a líbido, as pessoas ganham importâncias desmesuradas, irracionais.

E há consequências.
Mas a culpa só pode ser da torre, porque isto antes não era assim.

Um igual, todos diferentes

Só há um igual. Quando se é igual, é-se igual a alguma coisa, da mesma forma, do mesmo modo. É-se uma cópia, bem ou mal feita, é igual, e só pode ser de uma forma.

Quando se é diferente, é-se diferente de mil maneiras. Há mil diferentes, todos diferentes uns dos outros e diferentes da original. Ser, fazer diferente dá-nos liberdade infinita. Ser igual constrange-nos à base, ao modelo. Ou se é igual daquela forma, ou se é automaticamente diferente.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Final feliz

Orgulhava-se do seu passado. Orgulhava-se da sua vida, das suas escolhas, das suas conquistas. Desde sempre, tinha sido uma pessoa exemplar, dedicada, decidida. Dava o melhor de si e exigia um pouco menos que isso. Sabia à partida que nem toda a gente era capaz de ser perfeita, que era necessário dar um desconto, nem que fosse para evitar desilusões. Chegou, no entanto, a passar por uma fase em que acreditava que podia melhorar o mundo. E visto que o mundo é feito de pessoas, julgou-se capaz de fazer os outros serem mais, crescerem e serem boas pessoas. Sofreu de frustração, porque como se sabe, ninguém muda ninguém. Pelo menos não voluntariamente ou da forma que se quer. Então voltou a exercer só o melhor de si, sempre, sem pausas.

Odiou. Escorregou. Amou demais. Sempre sendo o melhor de si, foi capaz de sentimentos cruéis, embora justos, e de paixões vazias, embora verdadeiras. Experienciou diversos lados da moeda, abraçou todos e escreveu-os ao pormenor. Descrição a descrição, para nunca se esquecer das suas aprendizagens. Ou pelo menos para as poder rever passado uns tempos.

Foi nessas descobertas do passado que se cruzou com o seu pesadelo, com a pedra no sapato. Começou a lidar de peito aberto, como se estivesse tudo sarado. Mas cedo entendeu que isso nunca acontecerá. E que a atitude certa é óbvia. Apagou tudo, com força na borracha, tanta força que quase rasgava o papel já amarelado do tempo. Apagou com afinco. E deixou no fundo do caixote. Porque tinha chegado ao fim.

sábado, 10 de julho de 2010

O último relvado da tarde

Era daqueles dias de Verão, de brisa pesada, do sol que queima as costas enquanto atravessamos a estrada. Era daqueles dias em que nem faz mal passarmos por um jacto de rega da relva, que sabe bem, refresca, damos uma corridinha e mandamos um leve gargalhada absurda. Daqueles dias em que os gelados sabem melhor, ou as caipirinhas, ou as imperiais. Em que não se ouve música específica nenhuma, em que tudo é energia, em que a rua sabe a casa. E o dia vai passando, os olhos vibram de brilho, parecemos mais leves com um bronze de jeito. O sol decide começar a descer, dar descanso à nossa pele que hoje não deu oportunidade ao sal do mar, deixar-nos tirar os óculos de sol e ver aquele jardim como é. E a esse jardim todos vêm, mais cedo ou mais tarde. Nesse jardim todos se encontram, um dia ou outro. Há dias em que vêm todos, outros em que só aparecem meia dúzia. Mas é nesse jardim, nesse relvado que se vê o sol a pôr-se. É nesse relvado que o dia acaba, que se descansa a cabeça e se sorri pelos feitos do dia de férias. Que se troca uma piada para o lado, um risinho, uma mão dada discretamente para ninguém ver. Uns 2 centímetros mais perto que não se notam, mas fazem o coração galopar. O sol desce desce, desaparece, e fica aquele silêncio em sorriso. Ali, no último relvado da tarde.

A janela

Há dias em que o passado grita quando (lhe) abrimos a janela. Não que queira entrar, quer apenas fazer-se notar, dizer que existe. Não quer subir até ao último andar e trocar carícias no terraço. Quer só ficar ali, lá em baixo, a gritar, a dizer um olá grande, gritar o meu nome que é para eu me sentir envergonhada porque eles podem ouvir, eles podem ouvir, e depois de se rir à gargalhada e me confundir os sentidos, vai-se embora de novo e nos entretantos eu perdi dois ou três dias a pensar na morte da bezerra e no impossível e esqueci-me de viver. Porque está calor e o calor dá azo a estas coisas sem sentido, porque nos tira do sério e nos faz sentir a flutuar com o vapor da água, e com a miragem que sobe do alcatrão e parece uma poça.

Sit on the steps

Já escrevia a outra que se fazia passar por um ele qualquer que não existe. Escrevia de uma forma que merece castigo por tão bom ser. E dizia que adorava ficar sentado nos degraus e fumar às tantas e que ela lhe roubasse o tempo, a vida, tudo. Isso é que ele gostava. Mas era ela que escrevia. O que transpõe uma dualidade com o seu quê de estranho. Um dia volto a escrever para ti assim. Até me posso fazer passar por ele, só para ser parecida com ela.

Escrevo eu.

Tenho ainda o meu quê de antes. Das letras com sons da natureza, sons do dia-a-dia. Dos sopros, gotas, oscilos. Metáforas fáceis. Sou ainda isso um pouco e disso tento fugir, por parecer banal e fácil de mais. Gostava de conseguir voltar a escrever com entranhas. Com poesias. Ando muito racional. Sonhadora, apaixonada, mas racional nas minhas palavras. Parece que têm preço agora, que cada uma é uma e que não saem em correria, coladas, apressadas, a empurrarem-se, cada uma a querer chegar primeiro, numa luta saudável.