quinta-feira, 22 de julho de 2010

Final feliz

Orgulhava-se do seu passado. Orgulhava-se da sua vida, das suas escolhas, das suas conquistas. Desde sempre, tinha sido uma pessoa exemplar, dedicada, decidida. Dava o melhor de si e exigia um pouco menos que isso. Sabia à partida que nem toda a gente era capaz de ser perfeita, que era necessário dar um desconto, nem que fosse para evitar desilusões. Chegou, no entanto, a passar por uma fase em que acreditava que podia melhorar o mundo. E visto que o mundo é feito de pessoas, julgou-se capaz de fazer os outros serem mais, crescerem e serem boas pessoas. Sofreu de frustração, porque como se sabe, ninguém muda ninguém. Pelo menos não voluntariamente ou da forma que se quer. Então voltou a exercer só o melhor de si, sempre, sem pausas.

Odiou. Escorregou. Amou demais. Sempre sendo o melhor de si, foi capaz de sentimentos cruéis, embora justos, e de paixões vazias, embora verdadeiras. Experienciou diversos lados da moeda, abraçou todos e escreveu-os ao pormenor. Descrição a descrição, para nunca se esquecer das suas aprendizagens. Ou pelo menos para as poder rever passado uns tempos.

Foi nessas descobertas do passado que se cruzou com o seu pesadelo, com a pedra no sapato. Começou a lidar de peito aberto, como se estivesse tudo sarado. Mas cedo entendeu que isso nunca acontecerá. E que a atitude certa é óbvia. Apagou tudo, com força na borracha, tanta força que quase rasgava o papel já amarelado do tempo. Apagou com afinco. E deixou no fundo do caixote. Porque tinha chegado ao fim.

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