quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Palavras

Enfeitiço-me com palavras. Sempre fui assim. Derreto-me, altero-me, identifico-me. É um atractivo que me comove, que me faz sentir que conheço melhor as pessoas num instante. Porque é raro quem se exponha dessa forma já que, querendo ou não, as nossas palavras são um espelho, mais ou menos embaciado, do que somos.

Quando as palavras se juntam à guitarra e a mais apetrechos, aí sim, o mundo cai, rodopia e o estômago manifesta-se num desconhecido sentido. Dou por mim a fazer coisas sem nexo, mais próxima de quem não existe, de quem não existia há 10 minutos atrás.

Para além disso, tenho a mania de sentir que sinto quando as pessoas têm bom fundo, quando transpiram ser boas, então chego mais, desvendo os meus segredos através das minhas palavras. E depois a surpresa é boa quando acerto, quando me surpreendem e me fazem ler coisas bonitas.

Apesar de todas as circunstâncias, é honrável. É que temos a mania que as pessoas não valem a pena, que se os estranhos não fazem parte da nossa vida, é porque não faz sentido fazerem. Por vezes, é preciso mexer o dedo, é preciso arriscar, ainda que de formas mínimas, e a maioria das vezes só ficamos a ganhar. Nós e os outros. Porque a troca de experiências, palavras, existências, por muito curtas, por muito pouco que 2 dias sejam, valem a pena, mesmo ficando só por aí.

domingo, 24 de outubro de 2010

L'Auberge Espagnole

Vi, completamente fora de tempo, o L'Auberge Espagnole, que retrata o Erasmus de um rapaz francês em Barcelona, rodeado de outras imensas nacionalidades. E gostei muito. Retrata extremamente bem o que é o Erasmus, através de pormenores que transmitem sensações acertadas e reais, e não o típico cliché cheio de excessos, festas, sexo, álcool, em que não existe tempo para desenvolvimento pessoal nem para estudos. Pelo contrário, é calmo, tranquilo, smooth, onde há um pouco de todos esses elementos, mas de forma real, ponderada, adaptada aos seres humanos que todos somos.

Fala do caos inicial em que nos dispomos às situações mais awkward de sempre na tentativa de nos sentirmos em casa o mais depressa possível. Dispomo-nos a falar com pessoas extremamente estranhas, a ir a locais em sítios duvidosos, só porque a única pessoa com quem trocámos umas palavras diz que vale a pena, dormimos em casa de gente conhecida há meia hora, por aceitarmos que são os nossos melhores amigos do momento.

Depois surge a ligeireza e a descontracção com que o tempo passa. As descobertas, as pessoas que se tornam importantes, os sacos do supermercado, o limpar a casa-de-banho ou as cervejas a mais. Tudo se vai desenrolando de forma polida, serena, com altos e baixos, mas sempre em altas, o dia-a-dia preenche, aquela vida torna-se vida completa, assim, tranquilamente.

Depois lá chega o momento em que se tem de voltar para casa, para o nosso país, onde tudo é estático, parado no tempo e parece não fazer qualquer sentido.

Gostei de o ver fora do tempo, na verdade. Não antes de Erasmus, não durante, não logo depois. Não antes porque cria expectativas, porque não iria entender metade das sensações que passam para fora do ecrã, porque iria criticar a falta de intensidade. Que existe e está lá, mas demonstrada de uma forma mais realista. Não durante, porque comparações seriam feitas e não há nada comparável em Erasmus com os Erasmus dos outros, com os outros enquanto pessoas ao nosso lado, vivemos e experienciamos tudo de forma completamente diferente e não há meio de igualizar. E, por fim, não logo após o meu Erasmus, porque me traria saudades não saudáveis, porque me faria repisar o facto de voltar não fazer sentido e não seria bom de forma alguma.

Vê-lo agora foi um bom timing. Já lá vão uns dois anos e passado esse tempo todo tive a sorte de ter tido agora mais um dia cheio do ar do meu Erasmus, da minha Bologna, com as minhas portas abertas a pessoas que me enchem do melhor que sou, do carinho, da verdade, pessoas que apareceram nesse meu tal Erasmus e que permanecerão na minha vida. Porque Erasmus não é só festa, não é só provisório. Erasmus pode ser vida, criação e amigos para sempre.

sábado, 23 de outubro de 2010

Portas abertas

É disto que eu gosto. Ter as portas abertas, escancaradas, sentir-me rodeada e a minha vida ser-me suficiente.
É disto que eu gosto.
Partilhar bolachas, confidências, cama e shampoo. Com amigos e vizinhas de sempre.
Os dias e as noites não terem fim e atropelarem-se e o ontem ser já hoje mas ainda não ter acabado.
Os braços abertos, jantares partilhados, séries, mantas e risos. Num espaço que é meu.

Viver de portas abertas. É por isto que anseio.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Outrora

E quando visto a camisola que foi para o armário exactamente depois de me abraçares, há 15 anos atrás, e ainda cheira àqueles tempos? Não a ti mas a mim e me envolvem umas reminiscências de quando os abraços surgiam a toda a hora. Agora somos já velhos, enrugados, as mãos trémulas fingem-se suficientes e os braços ficam sem efeito. É pena acharmos que somos velhos demais para amar com o corpo, é pena acharmos que o silêncio desvenda o que vai dentro do nosso peito. É que sabe bem ouvir as mesmas coisas, é que às vezes esquece-se. Às vezes gostaria de voltar a rodopiar de mãos dadas contigo, ficar tonta tonta e não me importar de cair, ficar com uns arranhões, porque tu me levantavas logo a seguir e davas-me um sorriso e um beijo na testa. Nessa altura os corpos existiam e as palavras também. Havia tudo. As cartas eram longas, cheias de sentimentos e forças da natureza, as pernas entrelaçavam-se no banco do jardim e as conversas terminavam só depois de estarmos a dormir e a sonhar um com o outro, de mãos dadas para sempre. Aí sim, tudo era eterno. Agora a relatividade e a crença que para a próxima é que é têm ganho espaço e poder nas nossas vidas. Estamos sempre à espera do que vem a seguir, não nos contentamos, o presente é só uma passagem em vez de ser o momento. Andamos mesmo confusos com a vida.

domingo, 17 de outubro de 2010

Leaving


Isto é tudo muito bonito, esta coisa de se irem embora. Mas eu confesso que começo a ficar farta de ir ao aeroporto e voltar de aperto no peito e vida mais vazia.

Tenho dito.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Knight and Day

Milner: Someday. That's a dangerous word. It's really just a code for 'never'.


(...)


Milner: What day is it today?
June Havens: It's "someday"!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Insónia

Não há nada a fazer. É difícil pôr um corpo a dormir, pior ainda uma mente acelerada. Roda-se na cama, almofada por cima da cabeça, por baixo do braço, enrolada nas pernas, fora da cama. Tapada até ao pescoço ou só com os lençóis a fugir dos pés. Nada a fazer. As séries não adormecem, o livro também não. São só as horas que passam. Já são 4h, já são 5h e incrivelmente já são 6h e o dia daqui a pouco faz-me companhia. Devo andar a viver numa outra timezone qualquer. Ou então é mesmo o meu consciente que não me quer dar descanso. E não é a primeira vez. Coitado, anda um bocadinho overloaded, mas já é mais que crescido e experiente para lidar com a vida.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Linhas cruzadas



É certo que sempre ouvi dizer, que do querer ao fazer
Vai um enorme esticão
Mas haverá quem possa negar, que querer é poder
E o nunca é uma invenção

Conversas

Falas de ti e falas de mim e falas como somos perfeitos.
Falas do tempo, falas da vida e falas da nossa banda sonora.
Dizes que me amas, quando o vento assobia e eu não ouço nada. Ou finjo que não.
Sabes bem que não gosto dessas coisas e não vou acreditar nunca.
Falas do tempo e falas de nós e falas do mundo que vamos percorrer.
É tudo perfeito do teu ponto de vista. Eu é que não vejo. Ou finjo que não.

Isto é música de fundo das incongruências. Dos tropeções e falta de fé.
Falas de ti e falas de mim e um dia serei eu a falar-te de nós.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Formalidades

Quero saber o teu nome, esse que se esconde por detrás dos incessantes cigarros que devoras uns atrás dos outros. Às vezes consigo ver-te através do fumo, mas as tuas pausas não dão para muito mais. O problema é vivermos num país de formalidades. Em que precisamos de palavras caras para nos ouvirem, em que sermos simples é demasiado básico. Num país em que temos de ser duas páginas, cheias de enrolanço, para dizermos duas linhas, para nos levarem a sério. Às vezes gostava que tivéssemos o sentido prático dos americanos ou dos brasileiros. Eles sabem ser quentes com o coração logo assim à queima-roupa, sem precisarem de pôr máscaras e armaduras antes de se direccionarem. É que isso dava-me mesmo jeito, ao menos não perdia vidas a ultrapassar barreiras só para saber como te chamas.

sábado, 2 de outubro de 2010

Insanidade

Porque a partir do momento em que te consideram louco, és louco para sempre, e tudo o que dizes, tudo o que fazes, mesmo se já o fizesses antes, agora mais não são do que actos que comprovam a tua insanidade. És louco, já não podes voltar atrás. Se cais é porque cais, se ris é porque ris. E é tudo porque és louco. E serás sempre, mesmo se não fores. E eu sei disso porque quando te pergunto como é que estás, tu respondes-me com o que fazes. E não como estás, como te sentes. És o teu trabalho e a tua rotina, falas-me de prazos e entregas, em vez de seres os teus sentimentos, as vozes dentro de ti que te impelam, de estares como te sentes aí dentro. Tu não sabes como estás, só o que andas a fazer. E essa é a maior insanidade do mundo, Ser apenas o que Faz.